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domingo, 11 de agosto de 2013

Pai, Não Consigo Te Amar.

Hoje passei o dia todo sem saber o que escrever a respeito do meu pai, mas o fato é que me cobrei por me omitir e não descrever meus sentimentos. Desejei feliz dia dos pais a todos os pais do meu Face, Twitter e Linkedin, mas no meu blog o silêncio foi a única descrição para meu sentimento.

Quando eu era criança não me recordo de nenhuma vez em que houve uma cena familiar de carinho entre meu pai e eu. As surras, as vergonhas, os palavrões se fizeram meus companheiros por muitos anos entre nós em nossa convivência diária.

Acho que a vergonha dele era porque eu “não parecia normal” gostava de brinquedos e brincadeiras de menino, e claro, apanhava muito por estes motivos. Apanhava tanto que nem meus irmãos compreendiam o por que de tanta surra.

As palavras que mais me recordo vinda dos lábios do meu pai eram: “Sua Paraíba!” “Mulher macho!” “Cria jeito traste!”. Bem isso era tão comum, e durante as bebedeiras ficavam mais pesadas.

Um dia meu pai chegou de madrugada do serviço. Naquele dia tive uma discussão com o filho de um amigo dele, acho que eu tinha uns 7 anos e bati no muleque de 13, ele tinha me chamado de mulher macho, pois como todos ele também já havia escutado meu pai me chamando assim.    

Meu pai ficou sabendo do ocorrido pela boca de seu amigo durante o horário de serviço, na época ele era garçom ou metri no restaurante Barra Limpa, do cantor Roberto Carlos na época da Jovem Guarda.

Naquela madrugada meu pai chegou alcoolizado, minha mãe e irmãos estavam dormindo, mas acordaram com os meus gritos. Meu pai me ajoelhou no chão e chutou por várias vezes minha cabeça gritando “Você vai aprender a ser mulher nem que eu tenha que te matar!”. Lembro que o sapato dele estava engraxado e brilhava e eu pedia para ele parar. Depois vi a sombra da minha mãe chegando e gritando “Homem, você matou a minha filha!”

Hoje vejo o pessoal fazendo apologia para volta dos militares. Naquela época a mulher que fosse até uma delegacia falar contra o seu marido ficava presa, pois os militares achavam naquela época que o ser absoluto do universo eram os homens e este tipo de mulher só poderia ser vagabunda. Tem gente que não sabe o que é ditadura militar!

Desmaiei. Durante o dia tive febre e vomitei muito. Minha mãe me levou escondida na farmácia de um senhor que era como se fosse médico do bairro, mas no dia seguinte eu já estava com muito sangue purulento (com pus) saindo do meu ouvido esquerdo - que hoje graças a isso escuto pouco.

Minha mãe ficou apavorada e mais uma vez escondida me levou até o hospital, onde o médico disse que eu havia perfurado o tímpano.

Esses são os tipos de recordações que tenho dele. Não sinto nada por ele ser homofóbico. Sinto por ele não ter sido Pai.

Se você tem filho e ele for homossexual lembre-se que ele(a) não deixou de ser seu filho(a), não permita que um preconceito inútil seja maior.Quando você envelhecer não vai poder exigir amor de seu/sua filho(a), pois com sua forma preconceituosa você terá matado esse sentimento dentro dele(a)... Todos temos sonhos e desejos na vida.

Sinto muito Pai, mas não consigo te amar.


*Esse e outros fatos serão mencionados no livro que estou escrevendo. 

12 comentários:

  1. Nossa, não sei como descrever os sentimentos que imbuíram a minha pessoa durante a leitura de seu relato.Tocante,sabe, tenho uma relação dificil com o meu pai, ele tem indícios homofóbicos,mas nunca me tocou o dedo e nem mora comigo, por esse e outros fatos,eu sinceramente,acho a existência dele desnecessária, estou anciosa pra ler o seu livro.

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    1. Infelizmente, homofobia/ lesbofobia/bifobia/transfobia por parte dos familiares continua sendo comum. Espero que futuramente, quando lançar meu livro consiga com isso ajudar muitas pessoas, pois assim saberei que a minha história poderá servir de exemplo para muitas pessoas que pensam que o desprezo familiar pode derrubar o que realmente somos.

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    2. Agradeço seu comentário e desejo que você encontre seu caminho. Obrigada.

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  2. Cecilia, eu sinto muito que isso tenha acontecido com você. Eu não consigo nem imaginar como você deve ter sofrido... Queria muito te dar um abraço :C

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    1. Obrigada ,Raphaela pelo carinho e pelo abraço.Já me sinto abraçada!

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  3. Cecília,

    Não me ocorre nada consolador para escrever aqui. Consternado, acho que o melhor que posso fazer e te mandar um beijo paternal.

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    1. Obrigada pelo carinho. Hoje, o que eu quero é poder ajudar. Sinto que talvez contando minha história, como vou contar em meu livro, eu possa fazer mais não só pelo filhos, mas também pelos pais que não compreendem o tamanho da nossa dor quando nos rejeitam e humilham pelo o que somos.
      Obrigada pelo beijo paternal.

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  4. Olá, Celília! Sou novo aqui no blog, essa é a primeira postagem que eu vi. Eu fiquei realmente muito triste com esse relato. )=
    Recordo-me de quando eu tinha 6 anos e meu pai me batia por gostar de brincar de Barbie com minhas irmãs... Hoje ele é diferente.
    Hey, eu também quero te dar um abraço!

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    1. Oi, Klaus! Bem vindo!
      Fico contente em saber que seu caso atualmente é diferente. Para mim é muito gratificante saber que existem pais que passam por cima de suas ideologias e sonhos criados para os filhos (esses que os pais costumam planejar até mesmo o casamento dos filhos assim que eles nascem) por amor e respeito a eles.
      Nossa, muitissimo obrigada pelo seu carinho e abraço! =)

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  5. Olá Cecilia. Que história triste. Passei o dia dos pais também refletindo sobre as coisas que ouvi do meu, do tipo... - Preferia ter uma filha Puta! Já fazem 12 anos e ainda ouço algumas vezes, nos meus pensamentos...
    Já sofri bastante, mas hoje penso, que triste, não para mim, mas para ele... No lugar dele me sentiria um fracasso, pelo simples fato de não conhecer a única filha, ele não sabe no que trabalho, onde moro, no que me formei, minha música favorita ou as histórias vivi.
    Desculpe a frase vulgar. Adorei o blog. Beijos

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    1. Oi, Rê! Desculpe a demora para responder.
      É triste sim, mas infelizmente é uma realidade. Meu pai também falava certas coisas que mencionarei futuramente no livro... você deve saber que a lista de ofensas paternais é vasta... mas você tem razão é isso mesmo, quem perdeu com tanta ignorância e preconceito foram eles. Espero que você siga sua vida de cabeça erguida e muito orgulhosa da pessoa que você se tornou. Bom, pelo menos é assim que sigo a minha. =)
      Fico muito feliz que tenha gostado do blog!

      Um abraço! Felicidades!

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  6. E como está o seu pai hoje? Sabe, o que eu penso é que o álcool(quando concentrado) é uma das piores drogas já criadas, principalmente em sua forma destilada. Não é atoa que em muitos países álcool destilado e mesmo fermentados mais fortes que um vinho de mesa são controlados.
    Nessas horas eu até penso que eu deveria ser mais compreensiva com meu pai, ele sempre foi ausente e relapso, do tipo que me esquecia de buscar na escola. Porém quando eu saí do armário(sou trans), e contei tudo pra ele, a primeira reação dele foi dizer que já sabia, mas pediu explicações e eu contei de todos os anos me reprimindo fortemente, de como até cheguei a ser masculinista "da real" para "aprender a me valorizar como homem" e talz. E no final ele deu uma olhada pra mim e disse algo como: "Você fez a maior guerra... Pra isso? Pra algo tão pequeno? Eu te dei religião por acaso, para você ficar de moralismo?"... E o que se seguiu foi um sermão de vinte minutos contra eu ter me reprimido e contra a religião, contra moral, etc.

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