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quinta-feira, 15 de agosto de 2013

LGBTs - A Humilhação e Baixos Salários.


Após a publicação anterior “Pai, Não Consigo Te Amar”, recebi muitos e-mails e mensagens em meu facebook pedindo que eu falasse sobre o assédio moral e sexual sofridos pelos lgbts em seus empregos.

Para minha surpresa, a quantidade de mensagens foi tamanha que não pude deixar de falar sobre o assunto. Mesmo porque, não pude evitar as lembranças dos assédios tanto moral como sexual que sofri em muitos lugares que trabalhei.

A comunidade LGBT sofre um turbilhão de discriminações e ataques das formas mais diferenciadas possíveis e isso é de conhecimento de tod@s. Porém, o silêncio continua sendo fator predominante aos ataques e humilhações ocorridos em seus empregos.

Além de não bastar o leque variado de comentários, brincadeiras e ofensas disfarçadas de humor, os LGBTs sofrem e muito dentro de seus empregos o assédio moral e até sexual de seus colegas de trabalho e superiores.

Frases como “É sapatão, porque ainda não experimentou uma ‘pica e‘não sabe o que é bom.”, “Falta de pai, na criação do viado.”, “Nasceu homem, nunca vai ser uma mulher!”, “Não tem pau, nunca será um homem.” são freqüentes.

Como se a essência de alguém tivesse que experimentar alguma coisa para saber o que se é ou ser alguém.

Pense. Neste exato momento, uma trans está sendo alvo de chacota e humilhação em seu local de trabalho e irá até o banheiro para chorar, enquanto uma lésbica está sendo assediada sexualmente pelo seu superior que lhe da duas escolhas “Ou dá, ou perde o emprego.” E muitas delas já terão perdido seus empregos até o final deste dia, ou desta leitura, assim como eu que nos anos 80 no RJ, após uma investida do diretor do local que trabalhava fui humilhada quando disse que eu não namorava homens, mas mulheres. Não contente, ele fez chantagem ao me dizer se eu não saísse com ele seria demitida. Continuei firme em minha negativa e o impulso de dar um soco na cara dele foi grande, mas me segurei, pois eu precisava do emprego. Alguns dias depois, como era de se esperar convocou outras duas funcionárias que instruídas por ele inventaram histórias absurdas contra mim. 

Agora misture um harém de funcionárias que nunca diziam não e se submetiam a tudo para manter o emprego + orgulho ferido + preconceito + ignorância é = Justa causa!

Perdi as contas de quantas queixas já ouvi regadas pelas lágrimas e soluços dos lgbts injustiçados e humilhados em seus empregos.

Não diferente do que acontece com os héteros, existem locais de trabalho onde as pessoas são mais automáticas que as próprias máquinas e nada além de respirar lhes são permitido. Pensar sozinho, ter opinião e sugerir melhoras para o crescimento em conjunto é quase considerado um crime, é o suicídio profissional. Sendo assim, não é raro encontrar lgbts que dizem sim para tudo e são até coniventes com os ataques que presenciam contra outros lgbts que fazem parte de seu círculo social de trabalho, pois é mais fácil unir forças para perseguir do que perder o emprego ou se tornar o alvo dos perseguidores.

Conheço uma trans, que sofre diariamente com as humilhações vindas de sua superior, que faz questão de ignorar seu nome social ao apresentá-la a todos os colegas e clientes no ambiente de trabalho. Perversa? Mais que isso, ela vai além, ainda faz de tudo para montar esquemas de trabalho e escalas para fixá-las nas paredes em negrito o nome de registro dessa trans, para se satisfazer com os funcionários novatos dos outros andares que perguntam quem é funcionário que ainda não conheceram.

Houve também o caso da travesti, amiga minha, que morava em um município de São Paulo. Um vizinho dela, ao passar em um bairro da zona leste de São Paulo a reconheceu na rua, ela estava 'fazendo ponto' na esquina e seu vizinho inescrupuloso tirou centenas de fotos dela e fixou em todos os postes de luz no bairro onde ela morava com a única intenção de humilhá-la e expulsá-la do bairro. Este infeliz, não sabia da realidade e da necessidade que ela passava por não conseguir emprego.

Em um dos meus primeiros empregos, numa farmácia localizada no centro de São Paulo, fui contratada para fazer os pacotinhos de remédios. Lá sofri discriminação declarada, pois a funcionária encarregada proibiu que eu usasse o banheiro feminino e fez questão de deixar isso muito claro quando colocou uma placa na porta do banheiro dizendo “A Cecilia está proibida de usar o banheiro.” Claro que fui até ela perguntar o motivo e ela disse que tomou esta atitude porque eu era muito masculinizada e por isso as outras funcionárias se sentiam constrangidas com a minha presença no banheiro, já que eu queria ser um homem deveria utilizar o banheiro masculino. Fiquei dois dias neste emprego.

A lista dos maus tratos contra os lgbts nos empregos é vasta.
Na grande maioria dos casos os salários dos lgbts são os mais baixos nas planilhas de pagamento.

Quanto aos funcionários bissexuais, meus amigos e amigas que os são, dizem que por serem tidos como excêntricos e muitas vezes fazerem parte do cenário imaginário fetichista, são mais aceitos, não enfrentam esse tipo de discriminação e na maioria das vezes passam até despercebidos, possuem seus salários equiparados com os héteros e são mais respeitados.

Tenho um amigo gay que ouviu seu superior dizer que ele não necessitava ter seu salário equiparado com os demais e que ele não precisa ganhar tão bem, pois não ele não tem família para sustentar, seus gastos são o que ele julga supérfluos e inferiores, encerrando ainda seu argumento ridículo enfatizando que ele é gay, por isso qualquer coisa estava bom e ainda tinha que ser muito grato a ele por ter um emprego.

Sem mencionar os casos onde um hétero acusa um lgbt de algo que ele não fez e seus superiores defendem e favorecem o hétero mesmo vendo que ele está errado apenas por ele ser hétero, enquanto o lgbt que agiu corretamente é escorraçado, humilhado, advertido, ameaçado de demissão ou é demitido até por justa causa por isso, pelo preconceito declarado. Sim, pois ainda tem isso, tem gente que tem mania de dizer que lgbt nunca fala a verdade e nos tratam como se fossemos uma classe inferior.

Todos os funcionários e os serviços por eles prestados são importantes para qualquer empresa, seja pública ou privada, independente da hierarquia.  Todos merecemos respeito e o que todos nós vendemos em nossos contratos de trabalho são os serviços profissionais a serem prestados e não nossos corpos e dignidade. Não é por ser mulher, negro ou lgbt que merecemos ser menos favorecidos monetariamente e termos nossos direitos trabalhistas violados.

Justiça seja feita, existem lgbts sortud@s por aí que não sofrem estes tipos de discriminações, e alguns deles nem irão fazer questão de compreender os relatos e fatos deste texto. Porém, como eu não faço parte do lema inútil que diz “ema, ema, ema, cada um com seus problemas!” luto contra este tipo de discriminação que precisa e deve vir à tona.

Quando concorri ao cargo de conselheira estadual dos direitos da população lgbt de São Paulo, meu intuito nunca foi o de defender somente as lésbicas, mas sim a todos aqueles que foram e continuam sendo oprimidos, é por tais motivos que não aprovo preconceito dentro da comunidade lgbt, pois é nos unindo que teremos força.


O que é assédio moral.


O Dicionário Aurélio traz a seguinte definição para assédio moral - “Rebaixamento moral, vexame, afronta, ultraje. Ato ou efeito de humilhar (-se). Humilhar. Tornar humilde, vexar,
rebaixar, oprimir, abater, referir-se com menosprezo, tratar desdenhosamente, com soberba, submeter, sujeitar (...)”.

Com relação ao assédio moral nas relações de trabalho, psicanalistas, médicos, psicólogos e estudiosos do assunto apresentam definições que levam a um ponto comum: trata-se de
conduta abusiva, adotada por palavras, gestos ou atitudes,  que, intencional e freqüentemente, atinge a dignidade e a integridade física e/ou psíquica da vítima, ameaçando seu emprego e degradando o ambiente de trabalho. Para a CNTS, o assédio moral é um comportamento desumano e anti-ético, abominável, que afeta a dignidade do trabalhador, com prejuízos moral, social e econômico, e o bom desempenho de suas atividades.
  • Uma das estratégias adotadas pelos que praticam o assédio moral no local de trabalho é passar uma imagem irreal da vítima, atribuindo-lhe um perfil neurótico, de mau caráter, de difícil convivência e profissionalmente incompetente.
O assédio moral não deve ser confundido com o assédio sexual em que “a agressão normalmente é uma violência vertical, de cima para baixo, o agressor ocupa posição hierarquicamente superior ou detém posição privilegiada na empresa e abusa do poder que possui para chantagear a vítima, ameaçando-a com o desemprego, para obter favores sexuais”. Assédio Sexual é crime (art. 216-A, do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 10.224/91).

Condutas mais comuns que caracterizam o assédio moral.
A pesquisa realizada pela médica do trabalho Margarida Barreto exemplifica as situações/ações de assédio moral mais freqüentes:

- Dar instruções confusas e imprecisas;
- bloquear o andamento do trabalho alheio;
- atribuir erros imaginários;
- ignorar a presença de funcionário na frente de outros;
- pedir trabalhos urgentes sem necessidade;
- pedir a execução de tarefas sem interesse;
- fazer críticas em público;
- sobrecarregar o funcionário de trabalho;
- não cumprimentar e não dirigir a palavra ao empregado;
- impor horários injustificados;
- fazer circular boatos maldosos e calúnias sobre a pessoa;
- forçar a demissão;
- insinuar que o funcionário tem problemas mentais ou familiares;
- transferir o empregado de setor ou de horário, para isolá-lo;
- não lhe atribuir tarefas;
- retirar seus instrumentos de trabalho (telefone, fax, computador, mesa);
- agredir preferencialmente quando está a sós com o assediado;
- proibir os colegas de falar e almoçar com a pessoa.

Outras  formas de controle e pressão sobre o trabalhador:

- Retirar ou limitar a autonomia do profissional;
- ignorar ou contestar as decisões e opiniões;
- apoderar-se das idéias da outra pessoa;
- descumprir o código de ética e as leis trabalhistas;
- fazer gestos de desprezo, tais como suspiros e olhares;
- marcação sobre o número de vezes e tempo que vai ou fica no banheiro;
- vigilância constante sobre o trabalho que está sendo feito;
- desvalorizar a atividade profissional do trabalhador;
- exigir desempenho de funções acima do conhecimento do empregado ou abaixo de sua capacidade ou degradantes;
- induzir o trabalhador ao erro, não só para criticá-lo ou rebaixá-lo, mas também para que tenha uma má imagem de si mesmo;
- repetir a mesma ordem para tarefa simples;
- criticar o trabalho feito ou dizer que o mesmo não é importante;
- induzir a vítima ao descrédito de sua própria capacidade laborativa;
- recusa à comunicação direta com a vítima, dando-lhe ordens através de um colega, por bilhete ou e-mail;
- censurar de forma vaga e imprecisa, dando ensejo a interpretações dúbias e a mal entendidos;
- exigir tarefas impossíveis de serem executadas ou realização de atividades complexas em tempo demasiado curto;
- exigir que cumpra tarefas fora da jornada de trabalho;
- suprimir documentos ou informações importantes para a realização do trabalho;
- não permitir ao trabalhador que se submeta a treinamentos;
- marcar reuniões sem avisar o empregado e cobrar sua ausência na frente dos colegas;
- ridicularizar as convicções religiosas ou políticas do trabalhador.

Características do perfil da vítima segundo a psicanalista francesa MarieFrance Hirigoyen, Margarida Barreto, médica do trabalho e Mauro Azevedo:

- Trabalhadores com mais de 35 anos;
- os que atingem salários muito altos;
- saudáveis, escrupulosos, honestos;
- não se curvam ao autoritarismo, nem se deixam subjugar;
- são mais competentes que o agressor;
- pessoas que estão perdendo a resistência física e psicológica para suportar humilhações;
- portadores de algum tipo de deficiência;
- mulher em um grupo de homens;
- homem em um grupo de mulheres;
- os que têm crença religiosa ou orientação sexual diferente das daquele que assedia;
- quem tem limitação de oportunidades por ser especialista;
- aqueles que vivem sós.

Perfil do agressor:

Pesquisadores apontam que, embora a situação mais frequente de assédio moral seja aquela em que um superior agride um subordinado, há também os casos em que um colega agride outro colega. O agressor, geralmente, julga-se superior em todos os sentidos com relação às outras pessoas; é dotado do sentimento de grandeza e tem necessidade de ser admirado e aprovado; critica as falhas dos demais, mas não aceita ser contestado. Com esse comportamento busca encobrir as próprias deficiências.

Características:

- Tem senso grandioso da própria importância;
- é absorvido por fantasias de sucesso ilimitado, de poder;
- acredita ser “especial” e singular;
- tem excessiva necessidade de ser admirado;
- pensa que tudo lhe é devido;
- explora o outro nas relações interpessoais;
- não tem a menor empatia;
- inveja muitas vezes os outros;
- dá provas de atitudes e comportamentos arrogantes.

A vítima da violência moral deve denunciar o fato ao Sindicato, à Delegacia Regional do Trabalho, a órgão do Ministério da Saúde, ao Ministério Público do Trabalho, ao conselho profissional e comissões de direitos humanos do Poder Legislativo e de entidades como
a Ordem dos Advogados do Brasil, entre outras instituições e entidades.
Denunciar é a mais forte arma contra o assédio e para por fim à impunidade. É possível ao trabalhador pleitear a tutela de seus direitos com base no dano moral trabalhista e no direito ao meio-ambiente de trabalho saudável, garantidos na Constituição Federal.


Onde denunciar?


SÃO PAULO

  • Ministério da Saúde

Coordenadorias Estaduais de Saúde do Trabalhador
Av. Dr. Arnaldo nº 351, 1º andar, sala 137 - São Paulo (SP)
CEP: 01216-000 Fone: (11) 3066-8777 Fax: (11) 3081-9161
E-mail: cerest-coordenacao@saude.sp.gov.br

  • Centro de Referencia em Saúde do Trabalhador do Centro

Rua Conselheiro Crispiniano nº 20, 8°andar, Centro - São Paulo (SP)
CEP: 01037-000 Fone: (11) 3259-2202
E-mail cerest-secretaria@saude.sp.gov.br

  • Centro de Referência em Saúde do Trabalhador da Mooca

Av. Paes de Barros nº 872, Mooca - São Paulo (SP) CEP: 03114-000
Fone: (11) 3291-0520

  • Centro de Referência em Saúde do Trabalhador da Freguesia do Ó

Av. Itaberaba nº 1210/1218, Freguesia do Ó - São Paulo (SP)
CEP: 02734-000 Fone: (11) 3975-0974 Fax (11) 3975-0974
E-mail crst.fo@ig.com.br

  • Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Santo Amaro

Av. Adolfo Pinheiro nº 581, Santo Amaro - São Paulo (SP)
CEP: 04731-000 Fone: (11) 5523-5382 / 5541-8992

  • Centro de Referência em Saúde do Trabalhador da Sé

Rua Frederico Alvarenga nº 259, 5º andar, Parque Dom Pedro
São Paulo (SP) CEP: 01020-030 Fone: (11) 3105-5330
Fax (11) 3106-8908 E-mail crstse@terra.com.br

  • Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Pompéia

Rua Cotoxó nº 664, Vila Pompéia - São Paulo (SP) CEP: 05021-000
Fone: (11) 3865-2077

  • Centro de Referência em Saúde do Trabalhador

Rua Maria Adelaide L. Quelhas nº 55, Jd. Olavo Bilac - São Bernardo
do Campo (SP) CEP: 09725-610

  • Centro de Referência em Saúde do Trabalhador

Av. Pref. Faria Lima nº 680, Pq. Itália - Campinas (SP)
CEP: 13036-220 Fone: (19) 3272-8025/1292 fax (19) 3272-1292
E-mail: saude.crst@campinas.sp.gov.br

  • Delegacia Regional do Trabalho

Rua Martins Fontes nº 109, 9° andar, Centro - São Paulo (SP)
CEP: 01050-000 telefone (11) 3150-8106 Fax (11) 3255-6373

5 comentários:

  1. Parabéns Cecília! Muita coragem a sua. Texto coerente e extremamente completo!

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    1. Obrigada, Fecantacini. Espero que com este texto eu consiga conscientizar não somente os lgbts, mas a todos que sofrem com esses abusos em seus empregos. Abraço!

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  2. Sofri assedio moral e consegui tirar a minha diretora da Escola. Porem até hoje sofro preconceito na Escola onde trabalho.

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    1. Basta termos/sermos alguma coisa que não seja considerada "padrãozinho idealizado por alguém", sendo lgbt ou não, para sofremos preconceito. O importante é não silenciar.
      Vivo neste mundo há vários anos e participei de uma época muito triste que foi a ditadura, e nessa época não respeitavam nada, especialmente os lgbts que viviam oprimidos e escondidos em becos. Hoje, penso que todo dia é um dia de luta e levanto minha cabeça, assim como peço que você levante a sua, com orgulho da pessoa que é, pois garanto que você tem menos maldade no coração que pessoas assim, frios de alma.
      Você já parou para pensar em quantas pessoas você poderá ter ajudado, evitando que essa diretora cometesse assédio em outros lugares? Você já é uma vencedora.

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  3. Onde podemos reclamar aqui em Caruaru-PE? Como conseguir provas? Ninguém quer ser testemunha por preconceito também e medo de ser demitido. Minha ex me humilhava porque tenho andar masculino, por ser rica e nunca ter sido empregada de ninguém, me escondia da família dela, do mundo. Minha família e meus parentes também têm preconceito de mim.

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